quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Renascido

Então eu fiquei pensando - como pode alguém renascer, estando a menos de 24 horas neste mundo? Meditei muito sobre este substantivo -renascido, e fui me surpreendendo com as ideias que foram surgindo.
De fato, pela ordem natural das coisas, primeiro se nasce, depois, para aqueles mais afortunados, pode-se renascer. Porém há um que ao nascer, já tem o nome, ou melhor, a marca de um transformador.
Ao ver aquele rostinho, hoje, fiquei com o pensamento paralisado durante alguns segundos. Senti vontade de chorar, e chorei. Afinal, não é vergonhoso - é sinal de que ele veio para cumprir o que seu nome já nos informava mesmo enquanto estava, confortavelmente, envolto e protegido na barriga de sua mãe.
Fui tocada, de algum modo, por aquele pequeno ser. E foi aí que pensei no significado de seu nome. Acredito que ele ainda não saiba, mas nós - os adultos - tolos e insensatos na multidão do nosso conhecimento, estamos tentando aprender que são os pequeninos aqueles que nos ensinam as maiores lições.
Eu creio na semente que se planta e nos frutos saborosos que se colhe. E toda semente, antes de se tornar um fruto, ela morre e renasce. Com mais força e mais beleza. É aí que ela cumpre o seu papel, pois dá vida, alimenta e alegra.
A explicação para o renascimento se dá ao ver um sorriso crescente na face de um pai. Nas lágrimas de um bisavô, que não consegue se conter, pois também é um renascido. E no amor transformador e transbordante de uma mãe.
A observadora pensa em pequenos detalhes neste momento e se deixa levar por todo aquele sentimento de bem-estar. Seria um pouco daquele sentimento oceânico, que tantas vezes discutimos? Não sei, penso que sim, porém o que estava acontecendo era um grande movimento de desconstrução e renascimento de tantas vidas, tantos sonhos e de muitos amores.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Aliança de Casamento.

É engraçado como uma segunda-feira, ou melhor, apenas dois minutos do dia de ontem são suficientes para mover meus dedos até este texto. Interessante é que, através desta crônica eu espero dar vazão aos meus pensamentos, que até agora me inquietam.
Normalmente, quase ritualísticamente, fiz tudo igual desde que acordei no início desta semana. A única diferença é que vi o noticiário pela manhã e soube que teremos segundo turno nas eleições presidenciais. Enfim, notícia emblemática para os acontecimentos posteriores do dia.
No caminho para o estágio preciso tomar dois ônibus, o primeiro me deixou na Leopoldina, famosa entre os cariocas. Perdi a segunda condução e fiquei aguardando a próxima. Estava tranquilamente olhando aquele grande movimento, que nunca deixa ninguém tranquilo, mas eu estava. Foi aí que os dois minutos importantes do dia se efetuaram. Um adolescente sentado numa bicicleta parou ao meu lado e disse, bem baixinho e calmo: "Passa o anel!" - eu pensei que havia escutado mal e respondi: "Oi?", ele repetiu o pedido: "Passa o anel!" - eu havia entendido certo, mas respondi: "Oi?", estávamos muito próximos um do outro e eu olhava nos olhos dele. Então ele insistiu: "Passa o anel!", agora eu respondi olhando para aquele jovem: "Ah cara, eu não posso é a minha aliança de casamento!".
Eu não podia prever que eu reagiria assim, muito menos que o jovem, simplesmente pegaria a bicicleta e iria embora. Eu não fiquei nervosa, meu ônibus chegou e segui meu destino. Disse a verdade para o jovem, mas as reações não condizem com o imaginário social que temos do "pivete". Ele se foi,s em me questionar nada e creio que as outras pessoas que estavam no ponto de ônibus nem perceberam o que se passou ali diante deles. Na verdade, não perceberiam mesmo, pois estamos falando de uma classe invisível, que só é vista através do estigma da criminalidade.
É a segunda abordagem em seis meses, a primeira com um grupo de crianças e agora com este adolescente. De fato nunca sabemos qual será a nossa reação diante de uma fato desses.
Há quatro meses trabalho com jovens em situação de risco psicossocial, e acho que esse fato tem contribuído para mudar meu olhar sobre eles e sobre o mundo.