Alguns já sabem que eu escrevo para aliviar minhas próprias angústias, mas é bom relembrar.
Hoje eu resolvi falar de
morte. Muitos acreditam que a morte é um evento com dia e hora marcados. Cheio
de flores, declarações e lágrimas. Eu acredito que a morte é um processo.
Na tarde do dia 30 de dezembro
de 1986 eu comecei a morrer. Dei meu primeiro suspiro, poderia ter sido o
único, mas não foi. Mas o fato é que naquele instante, enquanto dezenas de
pessoas comemoravam a vida, mesmo que eu não tivesse consciência de nada, ali
iniciava a minha jornada para a morte.
Têm pessimistas que vão parar
de ler o texto, porque a morte lhes é indigesta demais. Para outros, o tema
desperta certa curiosidade, por isso vão prosseguir. Já alguns, vão ler porque
já leem minhas histórias e devem esperar um final feliz para esta também. Mas poucos,
muito poucos vão ler porque entendem o quanto insignificante é o breve instante
que ocupam no espaço e no tempo deste mundo.
Quero dizer que é muita
ingenuidade da nossa parte pensarmos que nossa existência é melhor ou mais
importante do que a de qualquer outro ser vivo dessa Terra. Tolos acreditam que
vão ficar para semente e que caminham apenas para a vida. Nascemos totalmente
precários. Dependemos do outro para nos alimentar, nos aquecer e para nos amar.
Somos um ser que só existe porque uma ou mais pessoas decidiram que merecíamos
relativa atenção e que de tempos em tempos ganharíamos um pouco de leite, uma
roupa quentinha e um colo acolhedor onde pudéssemos lembrar daquele útero onde
fora nossa primeira casa.
Creio que sábios semeiam
enquanto podem, pois o fim de cada um de nós é mais próximo do que imaginamos. Não
estou tecendo uma teoria do fim do mundo. De Nostradamus eu nada tenho. Estou falando
de vida e principalmente de morte. Todos os dias temos pequenos ensaios de
morte, para justamente tentar fugir da ideia da mesma.
Fechamos nossos olhos, por
exemplo, para uma enfermidade. Quer evento mais próximo da morte do que uma
doença? Na cabeça da maioria das pessoas é assim. E aqueles que não conseguem
lidar com a finitude da sua própria existência, evitam perceber o fim de outro
ser. E aí fica aquele jogo de “cobra-cega”. A questão é que quando fechamos
nossos olhos para o outro, eles deveriam ficar escancarados para nós mesmos. Só
que não ficam. É por isso que dá um alívio momentâneo. É breve também essa consolação,
porque muito depressa somos invadidos novamente pelo medo da nossa não existência.
Insensatos! Vivem como se
nunca fossem morrer, mas se atiram a cada dia para a morte. Mesmo que não
paremos para pensar sobre isso, dia após dia caminhamos em direção ao morrer. Viver
é um esforço diário, intenso e contra a correnteza. Que vamos todos morrer, nós
sabemos. O que não sabemos é o quanto e como vamos viver. Daí a angústia. E por
isso as pessoas invertem o sentido das coisas. Temem a morte, enquanto o que de
fato é desconhecido é a Vida. O mistério é conseguir viver saudável e
positivamente.
Se me perguntassem hoje se
estamos mais vivos ou mais mortos, diria que poucos são os audaciosos que estão
lutando e vivendo. Mas a maioria esmagadora está no ritmo das águas, mortos,
apenas indo. Seguindo o fluxo...
Morrer é muito fácil. Sem que
você se dê conta, nesse instante em que parou para ler o texto, uma parte do
seu corpo morreu. E você está crente que está vivendo a mil por hora. Tamanha ignorância!
Você está apenas atropelando pessoas e pior: a si mesmo. Morrer é muito
simples, não precisamos nos esforçar para isso. O nosso modo natural de ser já
é inclinado a morrer. E pior: a matar. Matamos inúmeras pessoas ao longo do
dia, do mês e da nossa existência. Quem sabe aniquilando-as eu consiga viver um
pouco mais, como em algumas tribos indígenas que acreditam que ao matar um
guerreiro a sua força passa para o assassino. Ah! Aniquilamos o outro para
tentar viver mais um imperceptível milésimo de segundo neste mundo. É, estamos
realmente mortos!
Acordei
hoje decidida a
compartilhar com alguns o sentido da vida e o da morte. Não me interessa
saber
o que cada um pensa que seja, ou para onde irão após a vida e se é que
creem
que irão para algum lugar. Interessa pra mim saber o que farei irei
enquanto
estou morrendo. Como usarei os segundos que me restam? O que darei
àqueles que
durante algum tempo me permitiram continuar alimentado, aquecido e
amado? Que frutos deixarei? Que marca imprimirei? Quem Eu terei sido?
Você pode ter morrido por 25,
40 ou 60 anos. Neste momento você não é mais uma criança no entendimento. Você já
percebeu que está morrendo como qualquer outro ser, então por que se abater com
esta realidade? Por que perder o seu sono por isso? Por que se debulhar em
lágrimas? Acorde para a morte e VIVA!